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quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Mapas conceituais e epistemologia genética


Ítalo Modesto Dutra
Laboratório de Estudos em Educação a Distância (Le@d.CAp/UFRGS) – http://mapasconceituais.cap.ufrgs.br


1. Por que construir uma nova abordagem para os Mapas Conceituais?
Os mapas conceituais, representações gráficas de relações entre conceitos, têm sido utilizados nas mais diferentes áreas do conhecimento humano e, em especial, têm despertado o interesse de educadores no mundo inteiro. Segundo nossas pesquisas, o tipo de representação permitida pela construção e compartilhamento de mapas conceituais digitais suporta uma adaptação do seu uso a uma análise original do processo de conceituação. Tais dispositivos, além de tornar acessíveis as relações estabelecidas entre os conceitos ou noções, fornecem uma representação de conhecimento que permite o planejamento de intervenções nesse processo. Nesse sentido, ao propor a construção e reconstrução sistemática de mapas conceituais digitais durante atividades educacionais estaremos gerando fontes de evidências para o acompanhamento dos processos de conceituação dos sujeitos que os constroem.
Por que mapas conceituais digitais? Pela plasticidade que o meio digital oferece ao facilitar a produção e salvamento de diferentes versões, ao possibilitar o uso de recursos de compartilhamento e interação via web. As ferramentas oferecidas pelo software para criação de mapas conceituais CmapTools (Cañas et al, 1999; Cañas et al, 2004) o tornam único se comparado a outros softwares de construção de mapas conceituais justamente por permitirem construir mapas conceituais digitais com as características que acabamos de descrever. Mas, que características tão peculiares os mapas conceituais possuem que os tornam capazes de gerar as fontes de evidência que desejamos?
Novak (Novak & Cañas, 2006) define mapa conceitual como uma ferramenta para organizar e representar conhecimento. O mapa conceitual, baseado na teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (2000), é uma representação gráfica em duas dimensões de um conjunto de conceitos construídos de tal forma que as relações entre eles sejam evidentes. Os conceitos aparecem dentro de caixas nos nós do grafo enquanto que as relações entre os conceitos são especificadas através de frases deligação nos arcos que unem os conceitos. A dois ou mais conceitos, conectados por frases de ligação criando uma unidade semântica, chamamos de proposição. As proposições são uma característica particular dos mapas conceituais se comparados a outros grafos similares como os mapas mentais ou fluxogramas. De acordo com Novak o eixo vertical expressa um modelo hierárquico para os conceitos onde os mais gerais ou inclusivos aparecem na parte superior e os mais específicos nas partes inferiores. Há estudos mais recentes, como o de Safayeni et al (2003), que advogam que os mapas conceituais cíclicos, ou seja, não hierárquicos, podem ser mais eficazes para uma representação mais dinâmica do conhecimento permitindo uma maior possibilidade de configurações de um mapa conceitual, tanto na sua topologia como no tipo de frases de ligação.

Para Ausubel (2000), conceitos são regularidades percebidas em eventos ou objetos de tal forma que eles, os conceitos, e as proposições são os blocos de construção do conhecimento em qualquer domínio. Para ele, uma aprendizagem significativa exige as seguintes condições: o material a ser aprendido deve estar conceitualmente claro e apresentado em uma linguagem e exemplos que possam ser relacionados ao que o aprendiz tem de conhecimento prévio; o aprendiz deve possuir um conhecimento prévio relevante (o que, para ele, a partir dos três anos de idade toda criança já possui para virtualmente qualquer domínio de conhecimento); e o aprendiz deve escolher aprender significativamente. Desta forma, mediados pela linguagem, os aprendizes processam novas significações que devem estar organizadas progressivamente para que possam ancorar seu conhecimento. Com isso, Novak (Novak & Gowin, 1984) defende a representação através de mapas conceituais como um dispositivo que pode ajudar nesse processo, apresentando uma organização hierárquica que pode ser utilizada para a identificação de conceitos mais gerais e ajudando na preparação de tarefas de aprendizagem para a recepção de novos conceitos, mais específicos.
Segundo nosso ponto de vista, uma análise crítica do trabalho de Ausubel levanta uma série de questões acerca da epistemologia por trás do modelo que o autor construiu:
- O material a ser aprendido significativamente deve estar conceitualmente claro para
quem? Será que aquilo que está claro para um professor está claro para o aluno?
- A linguagem é prévia ao processo de conceitualização?
- Considerando os diferentes níveis alcançados num processo de generalização, como determinar uma organização hierárquica? O que é mais e o que é menos geral para um professor e para um aluno? Como um cientista chega a organização hierárquica de conceitos num campo de conhecimento? Ela está dada a priori?
O problema com essa abordagem está relacionado ao fato de que os mecanismos envolvidos no processo de conceituação, segundo a Epistemologia Genética de Jean Piaget (Piaget, 1970/1990), implicam em uma assimilação ativa a partir de coordenações de ações (ou de coordenações de coordenações de ações) do sujeito e de coordenações dos observáveis dos objetos de conhecimento. Assim, o fato de uma assimilação ocorrer, de acordo com a acomodação possível, requer a transformação dos sistemas de significação do sujeito (o que implica em uma atualização dos ditos “conhecimentos prévios”) para que esses possam integrar (e não apenas ancorar) novos conhecimentos, o que implica em modificações nas relações entre noções e conceitos. Tais fenômenos, em diferentes níveis, relacionam-se às tomadas de consciência do sujeito no sentido de conhecer as razões e assimilações práticas a uma assimilação por meio de conceitos.
Nesse sentido, a explicação piagetiana do processo de conceituação situa a representação através de mapas conceituais num paradigma diferente daquele estabelecido pela visão cognitivista de Ausubel e Novak. Para Piaget, um conceito resulta de transformações dos sistemas de significação do sujeito, num processo continuado, e não pré-determinado, de atribuições via regulações e coordenações sucessivas, transformações de seus sistemas lógicos, ativadas por desequilíbrios nesses sistemas.
Portanto, as palavras que colocamos nas caixas dos mapas conceituais (em geral um substantivo) não são necessariamente, na perspectiva do sujeito, os conceitos. Embora tais palavras possam representá-los, são as relações construídas que os delimitam, no exercício de atribuição de significados somente alcançado por complexas atividades de coordenação de suas interações com objetos, em determinados contextos. Opõe-se, portanto, à visão de que uma organização seqüencial e correta de estratégias, recursos materiais e atividades seja por si só a garantia da aprendizagem de um conceito, por recepção. Nossas investigações nos levam a afirmar que na dinâmica da construção de um mapa conceitual podemos acompanhar a representação do sistema de significações ativados num sujeito de tal forma que nele também reconhecemos subsistemas que se relacionam apoiando-se mutuamente na construção dessas significações, por um desenvolvimento também de seus sistemas lógicos.
Por essa razão, é fundamental destacar o papel central das frases de ligação em um mapa conceitual. Ao compararmos um mapa conceitual a uma estrutura no sentido proposto por Piaget (1996), podemos concebê-las (as frases de ligação) como as funções estruturantes, aquelas responsáveis pelas leis de composição do sistema representado pelo mapa. Jonassen (2000) salienta o esforço, nada trivial, de escolher uma frase de ligação que represente uma relação entre dois conceitos tanto pelo grande número de possibilidades quanto pela necessidade de posicionar tal relação no contexto em que esse par de conceitos se apresenta. Como podemos, então, fazer uso dessa característica peculiar das frases de ligação? Uma de nossas conclusões é que a análise das modificações ocorridas nas frases de ligação, e conseqüentes inclusões e exclusões de conceitos nos mapas conceituais, oferece elementos para inferirmos sobre possíveis construções conceituais.
Parece-nos, portanto, que o modelo de Ausubel, embora consistente e rico em explicações, serve a um paradigma epistemológico cuja premissa é a transmissão de informações. Tratar o conhecimento e a aprendizagem como um processo de recepção em que conceitos e noções corretas são escolhidos e apresentados numa seqüência bem determinada para que sejam “assimilados” pelos aprendizes deixa de fora características por demais complexas da construção do conhecimento.
2. O processo de conceituação segundo a Epistemologia Genética
A posição epistemológica de Jean Piaget estabelece que o desenvolvimento das estruturas lógico-matemáticas no sujeito está relacionada à aprendizagem de maneira geral ou, especificamente, à aprendizagem de conceitos. Ao contrário de outras posições epistemológicas, a vinculação entre desenvolvimento e aprendizagem não implica um processo linear de elaboração do conhecimento e sim uma construção conjunta: o desenvolvimento das estruturas lógicas ocorre como condição necessária às aprendizagens e ele se dá em virtude das experiências materiais – na ação direta no mundo físico sobre os objetos – ou virtuais – ações ou coordenações no pensamento – do sujeito (Piaget, 1970/1990).
Sua Epistemologia Genética coloca em evidência a atividade do sujeito como condição necessária à aquisição de novos conhecimentos. Para ele, o conhecimento “resultaria de interações que se produzem a meio caminho entre o sujeito e o objeto, e que dependem, portanto, dos dois ao mesmo tempo, mas em virtude de uma indiferenciação completa e não de trocas entre formas distintas” (Piaget, 1970/1990, p.8).
Há, portanto, no decorrer do desenvolvimento cognitivo, uma elaboração solidária tanto da consciência do sujeito sobre si mesmo quanto da distinção de um objeto como tal.
A cargo desse processo de desenvolvimento está a função cognitiva de adaptação, constituída na regulação e auto-organização das trocas do indivíduo com o meio. Essa função engloba dois processos indissociáveis e que tendem a um equilíbrio, em geral nunca atingido a não ser a título de etapas provisórias (Piaget, 1975/1976). A definição de tais processos expõe a perspectiva dialética das interações entre sujeito e objetopropostas no modelo de Piaget:
a) Assimilação é a incorporação de um elemento exterior a um esquema de ação ou a
um conceitual do sujeito;
b) Acomodação é a necessidade em que se acha a assimilação de levar em conta as particularidades próprias dos elementos a assimilar.
O resultado da assimilação é a constituição das significações do sujeito. Essas significações inicialmente integram os esquemas de assimilação, que são generalizações das possibilidades da ação. Resulta que a acomodação, enquanto processo, tem a função de diferenciar os esquemas de assimilação. Em decorrência das implicações da atividade do indivíduo nas interações com o meio, os esquemas de assimilação coordenam-se em sistemas, progressivamente estruturando o que Piaget chama de sistema de significações
do sujeito. No modelo piagetiano, é a equilibração cognitiva o mecanismo que explica as regulações, desencadeadas por perturbações (assimilação das novidades), que são responsáveis, seja na ação ou posteriormente usando representações, pelo
desenvolvimento das estruturas (lógicas) que asseguram as condições para as
aprendizagens do sujeito.
Resulta, portanto, que todo novo conceito é precedido por etapas de assimilações anteriores – e conseqüentes acomodações – que se estabelecem desde os níveis mais elementares das ações do sujeito até o estágio mais elevado, que resulta na capacidade de realizar as operações sobre formas. As formas são as invariantes (generalizações) do funcionamento do pensamento que permitem que as mesmas transformações possam ser realizadas com elementos (conteúdos) diferentes. Cada etapa integra as anteriores conservando, de um lado, elementos e relações não conflitantes com o estado atual do sistema (no caso de acomodações bem sucedidas) e modificando, por outro lado, aqueles elementos e relações que, por uma necessidade da ação (de seus meios e objetivos) ou das transformações e operações no pensamento, tornarem-se perturbações.
Um sistema conceitual, com efeito, é um sistema tal que seus elementos se apóiam inevitavelmente uns nos outros, sendo ao mesmo tempo aberto a todas as trocas com o exterior. Suponhamos, por impossível, a construção de um único conceito A, como ponto de partida de uma classificação, etc. Se for realmente um conceito, opõe-se então já ao conceito não-A, o que constitui, desde o primeiro momento um sistema total e circular. No caso, único real, de um sistema multi-conceitual, é impossível caracterizar algum conceito sem utilizar os outros, num processo que é também necessariamente circular (Piaget,
1967/1996, p.).
Um sistema conceitual assim caracterizado é comparável a uma estrutura, construto teórico sumamente importante para Piaget. Como afirma Ramozzi-Chiarottino (1988), de acordo com a Epistemologia Genética, a estrutura é condição para todo o conhecimento possível.
Uma das definições mais precisas de estrutura pode ser encontrada na obra Biologia e Conhecimento (Piaget, 1967/1996). Resumidamente, podemos afirmar que uma estrutura (ou, particularmente, a estrutura cognitiva): (a) contém elementos e as relações que os ligam sem, contudo, ser possível caracterizar ou definir tais elementos independentemente das relações;
(b) pode ser considerada independentemente dos elementos que a compõem, ou seja,
abstraindo-se os elementos é possível considerar um sistema de relações ou uma
‘forma’ da estrutura;
(c) evolui desde tipos mais elementares até os de ordem elevada sendo que uma estrutura mais elementar torna-se elemento de estruturas de maior ordem. Considera-se, portanto, a existência de uma filiação de estruturas;
(d) pode ser comparada a outra estrutura se for possível definir um isomorfismo que põe em correspondência biunívoca (um a um) cada um dos seus elementos e, respectivamente, cada relação que os une, de tal forma que o sentido de tais relações sejam preservados; e
(e) contém setores ou partes chamadas de subestruturas que, dependendo do sistema
de relações que as constituem, podem ou não apresentar um isomorfismo em
relação a estrutura como um todo.
Como explicar a constituição de um sistema conceitual senão pela construção de estruturas? A abstração do conjunto de relações entre os diferentes conceitos de um sistema conceitual implica, portanto, na delimitação de um novo conceito que, novamente, se insere em um conjunto de relações em um nível superior ao primeiro.
Piaget (1974/1977) demonstrou que é a tomada de consciência que transforma um
esquema de ação em um conceito de tal forma que essa tomada de consciência constitui,
na essência, uma conceituação o que implica, na prática, uma reconstrução (das ações,
dos objetos etc.) que introduz características novas sob a forma de ligações lógicas. Isso
conduz a afirmação de que o conhecimento procede da interação entre o sujeito e o
objeto. São as tomadas de consciência sucessivas desse sujeito que oportunizam um
conhecimento dos mecanismos centrais (explicativos, causais) das ações que realiza (em
oposição aos aspectos periféricos tais como o resultado em si da ação). Solidariamente, é
também a tomada de consciência que orienta o conhecimento do sujeito sobre o objeto
para suas propriedades intrínsecas opondo-se, portanto, àquelas propriedades periféricas
relativas tanto ao objeto como daquelas relativas às ações do sujeito sobre ele. Essa lei
de sucessão que leva da periferia para o centro, ou seja, das zonas de adaptação ao
objeto para atingir as coordenações internas das ações é o que estabelece a tomada de
consciência como mecanismo central que explica a passagem da ação para a
conceituação ou seja, uma passagem da assimilação prática (a assimilação de um objeto
a um esquema) para uma assimilação através de conceitos.
Por sua vez, Piaget (1974/1978) também demonstrou que a partir de um certo nível
essa conceituação influencia as ações do sujeito. Nesse nível o sujeito tem a necessidade
de construir coordenações sobre operações precedentes. Assim, é somente através de
sucessivas regulações em suas ações que o sujeito atinge seu objetivo inicial. Essas
regulações implicam, portanto, uma antecipação de resultados parciais no sentido de que
está disponível para o sujeito (ele reconhece a existência de novas possibilidades) fazer
escolhas. Há um desenvolvimento que permite, por fim, realizar tais regulações (nesse
caso podemos chamá-las de operações) nos objetos do pensamento o que revela,
portanto, um predomínio da conceituação sobre a ação e os seus resultados diretos.
“Cada nova construção se apóia, em seu ponto de partida, sobre elementos que são
retirados dos níveis anteriores por abstrações por reflexões” (Piaget, 1974/1978, p.180).
Essa nova aquisição do sujeito permite o prolongamento indefinido de seu poder
operacional uma vez que não há mais a limitação do mundo físico e é possível construir
operações sobre operações.
O mecanismo explicativo descrito por Piaget para explicar as abstrações
necessárias às operações com os objetos do pensamento é chamado de abstração
reflexionante. Como se pode esperar, há um desenvolvimento que permite ao sujeito
tornar-se capaz de realizar abstrações.
A abstração “empírica” (empirique) tira suas informações dos objetos como tais, ou das
ações do sujeito sobre suas características materiais; de modo geral, pois, dos
observáveis, ao passo que a abstração “reflexionante” (réfléchissante) apóia-se sobre as
coordenações das ações do sujeito, podendo estas coordenações, e o próprio processo
reflexionante, permanecer inconscientes, ou dar lugar a tomadas de consciência e
conceituações variadas. Quando o objeto é modificado pelas ações do sujeito e
enriquecido por propriedades tiradas de suas coordenações (p. ex., ao ordenar elementos
de um conjunto), a abstração apoiada sobre tais propriedades é chamada “pseudoempírica”
(pseudo-empirique), porque, ao agir sobre o objeto e sobre seus observáveis
atuais, como na abstração empírica, as constatações atingem, de fato, os produtos da
coordenação das ações do sujeito: trata-se, pois, de um caso particular de abstração
reflexionante e, de nenhum modo, de uma decorrência da abstração empírica. Finalmente,
chamamos de abstração “refletida” (refléchie) o resultado de uma abstração reflexionante,
assim que se torna consciente e, isto, independentemente do seu nível. (...) a abstração
reflexionante comporta, sempre, dois aspectos inseparáveis: de um lado, “reflexionamento”
(réfléchissement), ou seja, a projeção (como através de um refletor) sobre um patamar
superior daquilo que foi tirado do patamar inferior (por ex., da ação à representação) e, de
outro lado, uma “reflexão” (refléxion), entendida esta como ato mental de reconstrução e
reorganização sobre o patamar superior daquilo que foi assim transferido do inferior.
(Piaget, 1977/1995, p.274)
Em se tratando dos processos de conceituação, acreditamos que a Psicologia e
Epistemologia Genética de Jean Piaget, fornece elementos mais consistentes no sentido
de possibilitar uma interpretação das produções de uma criança ou jovem na escola que
permita um acompanhamento de suas aprendizagens. Para a Epistemologia Genética, o
problema do desenvolvimento dos conhecimentos, ou seja, a passagem de um
conhecimento “menos bom” (sic) ou mais pobre para um saber mais rico (em
compreensão e em extensão) passa pelo desenvolvimento das estruturas subjacentes a
tais conhecimentos (Piaget 1970/1990). Em toda a sua obra, ele constrói argumentos em
defesa da idéia de que o desenvolvimento das estruturas de pensamento não é dado a
priori, ou seja, ele resulta, como afirmado anteriormente, de uma conquista do sujeito
enquanto agente em um meio que lhe oferece conteúdo para ser transformado e, ao
mesmo tempo, apresenta resistência a determinadas transformações.
3. Um modelo construtivista para o uso dos mapas conceituais
No que diz respeito à relação entre a linguagem e a construção conceitual, é
evidente que as relações em um mapa conceitual são estabelecidas na linguagem, ou
seja, são os vocábulos escolhidos por aquele que constrói o mapa que representam os
conceitos e as respectivas frases de ligação. Piaget demonstrou que a construção de
significados ocorre mesmo antes da aquisição da língua (Piaget, 1964/1990). Além disso,
a construção de uma lógica que organiza o sistema de significações do sujeito se dá
simultaneamente ao início de suas interações com os objetos de conhecimento (Piaget &
García, 1989). No princípio, essa lógica organiza os objetos diretamente na ação (nesse
caso no mundo físico, ou seja, empurrar, apertar, colocar na boca etc). Quando essas
ações são passíveis de serem realizadas através de representações (função semiótica), e
se torna possível usar a linguagem, esse sistema de significações pode ser evocado no
discurso do sujeito.
Uma abordagem construtivista dos mapas conceituais, portanto, vê nesse tipo de
representação um modo de obter evidências das ações do sujeito sobre os conceitos, ou
seja, seus julgamentos. Ausubel (2000) define conceito como regularidades percebidas
em eventos ou objetos de tal forma que eles e as proposições sejam os blocos de
construção do conhecimento em qualquer domínio. Para Piaget, contudo, os conceitos
são construídos a partir de tomadas de consciência sucessivas que permitem ao sujeito
“interiorizar” ações, ou seja, produzir transformações (desde a simples reconstituição de
fatos até as transformações reversíveis, ou seja, operações) nos objetos no pensamento
(Piaget, 1974/1977). Dessa forma, quando realiza julgamentos, o sujeito age sobre os
conceitos estabelecendo relações entre eles ou aplicando-os a objetos determinados
(Piaget & Gréco, 1959/1974). Ora, no que diz respeito à linguagem, estabelecer um
julgamento requer uma predicação. Conseqüentemente o estabelecimento de relações
entre conceitos não pode prescindir dos verbos. Nessa perspectiva julgamos que, em
adição à definição Novak (1984), a presença dos verbos nas frases de ligação seja
condição imprescindível para um mapa conceitual. O mapa conceitual da Figura 2
sintetiza a definição que nos parece mais completa.
Figura 2. Mapa conceitual sobre mapas conceituais
Essa restrição (a de usarmos verbos nas frases de ligação) obriga o autor do mapa
a expressar as relações entre conceitos sob a forma de proposições, o que contribui para
explicitar o julgamento do sujeito a respeito de determinado assunto.
Em contraste com um texto escrito, o mapa conceitual parece revelar-se fértil em
possibilidades no sentido de uma expressão mais fiel do sistema de significações de um
sujeito e, mais ainda, um excelente dispositivo de apoio a novas construções conceituais
(um objeto para pensar com).
Por essa razão, pudemos realizar uma pesquisa que implicou a construção de um
modelo3 de utilização dos mapas conceituais digitais, construídos e compartilhados na
internet, usando-se o software CmapTools, como forma de acompanhamento dos
processos de conceituação de crianças (faixa etária dos 10 aos 13 anos) participantes do
Projeto Amora do Colégio de Aplicação da UFRGS (Lacerda et al, 2000). Este modelo foi
elaborado no contexto do desenvolvimento de projetos de aprendizagem, componente
curricular de vital importância nas atividades dos referidos alunos, nos quais as interações
possibilitadas pelo uso da internet influenciam tanto na maneira de buscar, selecionar e
integrar as informações quanto na forma de organizar o conhecimento produzido. O
método de investigação foi o estudo de caso a partir de dados obtidos nos registros em
meios digitais pelos sujeitos do estudo: (a) nos blogs – diários de bordo virtuais; (b) nos
mapas conceituais digitais salvos e compartilhados na internet em um servidor; e (c) num
wiki – sistema online de editoração eletrônica de páginas da internet. Além disso, os
dados de um diário de campo digital e de entrevistas (usando o método clínico piagetiano)
sobre as diferentes versões dos mapas conceituais construídas pelos sujeitos foram
igualmente utilizados. A revisão teórica justifica nossa opção de fundamentar a proposta
na Epistemologia Genética de Jean Piaget no sentido de buscarmos uma abordagem
teórico-metodológica alternativa para o uso dos mapas conceituais proposto por Joseph
Novak, apoiado na Aprendizagem Significativa de David Ausubel. Complementarmente,
fizemos uso da Lógica Natural de Jean-Blaise Grize para proceder às análises dos dados
que envolvem a linguagem natural. Os resultados mostram que é possível acompanhar os
processos de conceituação através da construção e conseqüentes revisões de mapas
conceituais, apoiando-se em evidências obtidas nos registros em linguagem natural.
3 Dutra, Ítalo M. Mapas conceituais no acompanhamento dos processos de conceituação. Tese de doutorado – Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, Centro Interdisciplinar de Novas Tecnologias na Educação, Programa de Pós-Graduação em Informática na
Educação, 2006, Porto Alegre, RS.
A construção de mapas conceituais representa o principal foco de atenção das
investigações que estamos realizando. Contudo, isso não significa que o mapa conceitual
deva ser considerado de forma isolada do contexto das construções do sujeito de tal
forma que, por si só, ele possa constituir um “produto final” absoluto e fonte de todas as
evidências que nós necessitamos. Ainda assim, a construção de mapas conceituais faz
diferença no que tange o acompanhamento dos processos de conceituação em curso de
um sujeito. Aquele que constrói o mapa conceitual vê-se forçado a colocar em uma outra
forma aquilo que seu pensamento ou seu texto (oral ou escrito) expressam. Esse esforço
permite, a um interlocutor preparado, produzir intervenções no sentido de explorar as
possibilidades lógicas daquele conjunto de informações expressas no mapa.
Por essa razão, podemos afirmar que são requisitos para o uso construtivista dos
mapas conceituais no acompanhamento dos processos de conceituação:
(i) a construção e revisão sistemática de mapas conceituais que explicite as
relações entre os elementos (conceitos em construção) envolvidos nas
atividades dos sujeitos,
(ii) a produção de registros em linguagem natural, por parte dos sujeitos, em
relação às informações que obtém nas atividades, e
(iii) a realização de entrevistas sobre os mapas conceituais com a finalidade
de obter o ponto de vista do sujeito que os construiu no sentido de dar
explicações a respeito das relações (ou sistemas de relações) expressas
nos mapas.
Nossa principal defesa em relação a necessidade dos três tipos de procedimentos
acima descritos são as características peculiares de cada uma delas. No caso dos mapas
conceituais, reiteramos a “restrição” imposta pela construção de proposições como fator
fundamental para o seu uso. Já a coleta de registros (em geral na forma escrita)
produzidos pelos sujeitos, nos permite acompanhar os aspectos relacionados ao
“processamento” por atividades cognitivas das informações obtidas nas atividades de
investigação. Por fim, a realização das entrevistas sobre os mapas conceituais servem ao
observador como instrumento que permite a verificação, ou não, de suas hipóteses em
relação às construções dos sujeitos.
Isso nos leva a duas observações. A primeira é a de que a construção de mapas
conceituais requer um esforço cognitivo/capacidade operacional do sujeito de natureza
bastante específica. O ato em si que leva à construção das proposições está circunscrito
às abstrações do sujeito no sentido de reconstituir, antecipar e/ou explicar as relações
entre os conceitos. Conseqüentemente, a análise das construções dos sujeitos expressas
no mapa conceitual incide diretamente sobre os resultados das coordenações do
pensamento do sujeito. Os exemplos apresentados no capítulo anterior demonstraram
que é possível dar conta de tais coordenações a partir do acompanhamento da “lógica”
dos sistemas expressos no mapa. A segunda observação decorre da primeira: um mapa
conceitual, por se tratar produto de operações dos objetos no pensamento, não pode ser
considerado exclusivamente no acompanhamento dos processos de conceituação. O fato
do observador inferir que essa ou aquela operação com tais proposições estão expressas
na construção do sujeito implica reunir evidências (justificativas/explicações do sujeito)
que não necessariamente estão expressas no sistema de relações do mapa.
Contudo, os resultados que obtivemos em nossas investigações mostraram ser
possível caracterizar tais inferências do observador como hipóteses acerca da constituição dos sistemas lógicos representados no mapa. Essas hipóteses permitem projetar futuras construções do sujeito (no sentido de antecipar conceituações) que se tornarão visíveis no decorrer do processo que está sendo acompanhado com a ajuda desse modelo.
Tais conclusões justificam nossa estratégia metodológica de reunir evidências a
respeito dos sistemas representados no mapa conceitual em outros tipos de produções
dos sujeitos: discursos em linguagem natural. A partir das análises que realizamos,
concluímos, em primeiro lugar, que há uma certa antecipação nas construções em linguagem natural de relações/conceitos/sistemas que só serão expressos nos mapas
conceituais mais tardiamente. Tal resultado poderia nos levar a concluir que o mapa conceitual pudesse ser dispensado como instrumento de análise ou, até mesmo, que a
relativa dificuldade de expressar as informações na forma de mapa conceitual seja a explicação para essa demora, ou seja, as construções conceituais do sujeito em nada se
modificam no processo de construir um mapa conceitual. Todavia, a realização de
entrevistas clínicas a respeito dos mapas conceituais e uma análise mais cuidadosa dos dados demonstraram que essas antecipações do discurso não revelam, muitas vezes,
coordenações inferenciais do sujeito que expliquem ou justifiquem as afirmações expressas. O que ocorre é que, no discurso em linguagem natural fica facilitada a “reprodução” das informações que podem ser obtidas nas atividades de pesquisa dos
projetos de investigação. Contudo, essa não é, de forma alguma, uma desqualificação das produções textuais dos sujeitos do estudo. Se nos mapas conceituais foi possível hipotetizar a respeito dos sistemas lógicos em construção, em muitos momentos os discursos em linguagem natural forneceram as evidências necessárias à confirmação ou
refutação das hipóteses do observador.
Ainda que seja possível ao observador produzir modificações no discurso do sujeito de tal forma a construir proposições lógicas equivalentes a determinados enunciados dos sujeitos, a riqueza das transformações das palavras usadas para representar os conceitos
bem como da construção de relações que de imediato podem parecer contraditórias ao observador, são elementos por demais significativos ao processo de conceituação para
serem desprezados.

Referências
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